ARTIGO - “A reinvenção do fast fashion na era da sustentabilidade”
worldfashion • 29/04/25, 16:27Por Symone Rech*
As transformações necessárias e vão muito além do uso de tecidos orgânicos ou reciclagem de embalagens. Se o problema da moda fosse apenas a matéria-prima, a gente já teria resolvido. O problema real é o modelo de negócio baseado em volume, velocidade e descarte rápido. É preciso reinventar toda a lógica de produção, consumo e relacionamento com o cliente.
Entre os exemplos que ilustram essa virada de chave está a norte-americana Patagonia, frequentemente citada como um case pioneiro em moda sustentável. Desde 1996, quando adotou o algodão orgânico, a marca vem desafiando o senso comum. Sua jaqueta fleece feita de garrafas PET recicladas tornou-se um ícone, mas o verdadeiro ponto de inflexão veio em 2011 com a campanha “Don’t Buy This Jacket”, veiculada na Black Friday. A provocação — pedindo que consumidores reconsiderassem a necessidade de novas aquisições — gerou polêmica, mas impulsionou um aumento de 30% nas vendas no ano seguinte.
O que a Patagônia mostra é que sustentabilidade autêntica não espanta o consumidor, ela o atrai. Quando a marca alinha discurso e prática, constrói lealdade. Sustentabilidade não é um freio, é um novo motor de crescimento.
Uma das principais apostas para tornar a moda mais sustentável é o desenvolvimento de produtos inteligentes — peças que entregam mais valor com menor impacto e volume. A lógica é simples: em vez de estimular trocas constantes de guarda-roupa, oferecer roupas funcionais, duráveis e atemporais.
A japonesa Uniqlo é referência nesse modelo, com suas linhas Heattech e Airism, que ajustam a temperatura corporal de acordo com o clima. Essas tecnologias oferecem conforto térmico em diferentes estações, reduzindo a necessidade de múltiplas peças para o mesmo fim. É um exemplo clássico de produto funcional.
O consumidor precisa de menos roupas para se adaptar a diferentes temperaturas, o que reduz o consumo desnecessário.
Na mesma linha, marcas como Levi’s apostam em peças atemporais como pilar estratégico. O modelo 501, por exemplo, permanece praticamente inalterado há décadas e continua sendo best-seller. “A Levi’s construiu um império sobre um produto clássico. Toda marca deveria ter o seu ‘501’: um item que vende sempre, independente de modismo e garante previsibilidade financeira”, acrescenta.
Outra frente que ganha tração é a da circularidade. Marcas estão investindo em reparo, revenda, aluguel e até recarga de produtos. A britânica Selfridges criou o programa RE-SELFRIDGES, com metas ambiciosas: até 2030, 45% de suas transações devem vir de modelos circulares. A parceria com a startup SOJO — especializada em consertos — garantiu um espaço permanente de reparos dentro da loja. Além disso, clientes podem revender itens de luxo e receber crédito, alugar roupas e até recarregar embalagens de beleza.
É uma mudança de mentalidade e de negócio. Em vez de depender de vendas únicas e descartáveis, essas empresas estão apostando em serviços recorrentes, que fidelizam o cliente e reduzem o impacto ambiental.
Se a sustentabilidade ainda carrega o estigma de ser “careta”, marcas como a Osklen vêm desmentindo esse mito. Desde 1998, a grife brasileira alia design sofisticado a práticas sustentáveis. Por meio do projeto e-fabrics, utiliza materiais como couro de pirarucu, juta da Amazônia e algodão orgânico. A proposta é oferecer não apenas moda ética, mas também estética refinada e conexão com a natureza.
As pessoas não compram só porque é ecológico. Compram porque é bonito, funcional e desejável. A estética precisa andar junto com a ética.
Apesar das iniciativas promissoras, o alerta é que muitas marcas sustentáveis erram ao comunicar sustentabilidade como se todo o público já estivesse convencido.
As marcas falam como se todos os consumidores já estivessem na ‘maioria inicial’ da curva de difusão da inovação. Mas a maioria ainda não vê valor real nisso. A proposta é aplicar a lógica da Curva de Adoção da Inovação, de Everett Rogers, adaptada à moda.
Para os inovadores — cerca de 2,5% do mercado — a chave está em oferecer produtos disruptivos, com alta tecnologia e apelo exclusivo. A marca britânica Vollebak, por exemplo, vende peças feitas com cobre, grafeno ou madeira flexível.
Eles não vendem sustentabilidade. Vendem o futuro.
No grupo dos early adopters, consumidores influentes e ligados ao luxo buscam status e diferenciação. Marcas como Veja, Stella McCartney e a própria Patagonia conseguiram se posicionar nessa camada, oferecendo produtos que unem propósito e prestígio.
Já para a maioria inicial, composta por consumidores mainstream, o foco está na validação social. Aqui, o importante é mostrar que todo mundo já está fazendo. Criar normas sociais, facilitar o acesso e tornar o sustentável mais prático do que o convencional. A Allbirds é um bom exemplo. A marca vende tênis sustentáveis, mas seu principal argumento é o conforto. Já H&M e Zara inseriram coleções ecológicas como parte das opções regulares, sem criar uma seção isolada para “moda verde”.
O futuro é inteligente — e desejável
No fim das contas, o caminho para a sustentabilidade não será pavimentado apenas com boas intenções ou campanhas pontuais. Ele exige uma transformação profunda na maneira como a indústria cria, vende e se relaciona com o consumidor.
O futuro da moda sustentável não depende de convencer as pessoas a comprar menos. Ele depende de criar produtos tão bons, tão icônicos e tão desejáveis que as pessoas naturalmente queiram comprar — e manter. As marcas que vão crescer não são as que produzem mais, mas as que constroem mais valor.
*Symone Rech é especialista em negócios de moda e fundadora da New & Now uma plataforma de conteúdo e pesquisa de moda que conecta o mercado brasileiro às tendências internacionais com foco em resultados comerciais, a ferramenta transforma tendências globais em coleções lucrativas para pequenos e médios empreendedores, oferecendo análises personalizadas, guias estratégicos e acesso a pesquisas realizadas em capitais da moda como Paris, Londres e Milão.
- publicado em: ARTIGO, CONSULTORIA, SUSTENTABILIDADE – dê a sua opinião!
- tags: #NEW&NOW