ARTIGO - “A reinvenção do fast fashion na era da sustentabilidade”

worldfashion • 29/04/25, 16:27

Por Symone Rech*

As transformações necessárias e vão muito além do uso de tecidos orgânicos ou reciclagem de embalagens. Se o problema da moda fosse apenas a matéria-prima, a gente já teria resolvido. O problema real é o modelo de negócio baseado em volume, velocidade e descarte rápido. É preciso reinventar toda a lógica de produção, consumo e relacionamento com o cliente.

Entre os exemplos que ilustram essa virada de chave está a norte-americana Patagonia, frequentemente citada como um case pioneiro em moda sustentável. Desde 1996, quando adotou o algodão orgânico, a marca vem desafiando o senso comum. Sua jaqueta fleece feita de garrafas PET recicladas tornou-se um ícone, mas o verdadeiro ponto de inflexão veio em 2011 com a campanha “Don’t Buy This Jacket”, veiculada na Black Friday. A provocação — pedindo que consumidores reconsiderassem a necessidade de novas aquisições — gerou polêmica, mas impulsionou um aumento de 30% nas vendas no ano seguinte.

O que a Patagônia mostra é que sustentabilidade autêntica não espanta o consumidor, ela o atrai. Quando a marca alinha discurso e prática, constrói lealdade. Sustentabilidade não é um freio, é um novo motor de crescimento.

Uma das principais apostas para tornar a moda mais sustentável é o desenvolvimento de produtos inteligentes — peças que entregam mais valor com menor impacto e volume. A lógica é simples: em vez de estimular trocas constantes de guarda-roupa, oferecer roupas funcionais, duráveis e atemporais.

A japonesa Uniqlo é referência nesse modelo, com suas linhas Heattech e Airism, que ajustam a temperatura corporal de acordo com o clima. Essas tecnologias oferecem conforto térmico em diferentes estações, reduzindo a necessidade de múltiplas peças para o mesmo fim. É um exemplo clássico de produto funcional.

O consumidor precisa de menos roupas para se adaptar a diferentes temperaturas, o que reduz o consumo desnecessário.

Na mesma linha, marcas como Levi’s apostam em peças atemporais como pilar estratégico. O modelo 501, por exemplo, permanece praticamente inalterado há décadas e continua sendo best-seller. “A Levi’s construiu um império sobre um produto clássico. Toda marca deveria ter o seu ‘501’: um item que vende sempre, independente de modismo e garante previsibilidade financeira”, acrescenta.

Outra frente que ganha tração é a da circularidade. Marcas estão investindo em reparo, revenda, aluguel e até recarga de produtos. A britânica Selfridges criou o programa RE-SELFRIDGES, com metas ambiciosas: até 2030, 45% de suas transações devem vir de modelos circulares. A parceria com a startup SOJO — especializada em consertos — garantiu um espaço permanente de reparos dentro da loja. Além disso, clientes podem revender itens de luxo e receber crédito, alugar roupas e até recarregar embalagens de beleza.

É uma mudança de mentalidade e de negócio. Em vez de depender de vendas únicas e descartáveis, essas empresas estão apostando em serviços recorrentes, que fidelizam o cliente e reduzem o impacto ambiental.

Se a sustentabilidade ainda carrega o estigma de ser “careta”, marcas como a Osklen vêm desmentindo esse mito. Desde 1998, a grife brasileira alia design sofisticado a práticas sustentáveis. Por meio do projeto e-fabrics, utiliza materiais como couro de pirarucu, juta da Amazônia e algodão orgânico. A proposta é oferecer não apenas moda ética, mas também estética refinada e conexão com a natureza.

As pessoas não compram só porque é ecológico. Compram porque é bonito, funcional e desejável. A estética precisa andar junto com a ética.

Apesar das iniciativas promissoras, o alerta é que muitas marcas sustentáveis erram ao comunicar sustentabilidade como se todo o público já estivesse convencido.

As marcas falam como se todos os consumidores já estivessem na ‘maioria inicial’ da curva de difusão da inovação. Mas a maioria ainda não vê valor real nisso. A proposta é aplicar a lógica da Curva de Adoção da Inovação, de Everett Rogers, adaptada à moda.

Para os inovadores — cerca de 2,5% do mercado — a chave está em oferecer produtos disruptivos, com alta tecnologia e apelo exclusivo. A marca britânica Vollebak, por exemplo, vende peças feitas com cobre, grafeno ou madeira flexível.

Eles não vendem sustentabilidade. Vendem o futuro.

No grupo dos early adopters, consumidores influentes e ligados ao luxo buscam status e diferenciação. Marcas como Veja, Stella McCartney e a própria Patagonia conseguiram se posicionar nessa camada, oferecendo produtos que unem propósito e prestígio.

Já para a maioria inicial, composta por consumidores mainstream, o foco está na validação social. Aqui, o importante é mostrar que todo mundo já está fazendo. Criar normas sociais, facilitar o acesso e tornar o sustentável mais prático do que o convencional. A Allbirds é um bom exemplo. A marca vende tênis sustentáveis, mas seu principal argumento é o conforto. Já H&M e Zara inseriram coleções ecológicas como parte das opções regulares, sem criar uma seção isolada para “moda verde”.

O futuro é inteligente — e desejável

No fim das contas, o caminho para a sustentabilidade não será pavimentado apenas com boas intenções ou campanhas pontuais. Ele exige uma transformação profunda na maneira como a indústria cria, vende e se relaciona com o consumidor.

O futuro da moda sustentável não depende de convencer as pessoas a comprar menos. Ele depende de criar produtos tão bons, tão icônicos e tão desejáveis que as pessoas naturalmente queiram comprar — e manter. As marcas que vão crescer não são as que produzem mais, mas as que constroem mais valor.

*Symone Rech é especialista em negócios de moda e fundadora da New & Now uma plataforma de conteúdo e pesquisa de moda que conecta o mercado brasileiro às tendências internacionais com foco em resultados comerciais, a ferramenta transforma tendências globais em coleções lucrativas para pequenos e médios empreendedores, oferecendo análises personalizadas, guias estratégicos e acesso a pesquisas realizadas em capitais da moda como Paris, Londres e Milão.

ARTIGO - Moda consciente: quando a sustentabilidade deixa o discurso e vira estratégia de crescimento

worldfashion • 25/04/25, 11:56

Por Rafael Reolon*

De acordo com um estudo da Nielsen, 66% dos consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos sustentáveis — um salto considerável frente aos 50% registrados em 2013. No Brasil, a tendência é ainda mais evidente: uma pesquisa do Instituto Locomotiva revela que 9 em cada 10 brasileiros preferem adquirir produtos feitos com materiais sustentáveis. Mais do que isso, a maioria afirma sentir desconforto ao consumir itens com impacto ambiental negativo.

Para atender às mudanças no comportamento do consumidor, que busca marcas e produtos mais sustentáveis, o varejo de moda tem trabalhado para que a produção esteja alinhada à preservação ambiental. Nesse caminho, observamos o movimento de grandes varejistas, como a Renner, que implantou a produção sustentável de roupas a partir do uso de viscose e algodão certificados que não geram impactos ambientais negativos e utilizam fios reciclados, retirados da desfibragem das sobras de corte de tecidos ou de roupas já existentes.

Além de oferecer produtos com fabricação mais sustentável, o varejo de moda também passou a surfar na onda da sustentabilidade com os itens de segunda mão. Um levantamento da ThredUp revelou que, em 2024, os gastos com esses itens chegaram a US$227 bilhões em todo o mundo, representando quase 10% de todo o gasto global com roupas.

Com a venda de peças de segunda mão, as marcas criam uma nova fonte de renda a partir da logística reversa. Isso significa que os varejistas podem receber doações de roupas compradas na loja, em bom estado, e revendê-las por preços mais acessíveis. Além de promover a sustentabilidade, é um novo formato de negócio que traz maior rentabilidade.

As marcas de luxo também entraram na onda da sustentabilidade com a venda de itens de segunda mão. A oferta de roupas, bolsas, sapatos e acessórios de grandes marcas permite que pessoas de diferentes classes sociais tenham acesso aos produtos, que antes eram voltados apenas para as classes mais altas da sociedade.

Um grande exemplo de sucesso nesse mercado é a Peça Rara, uma rede de brechós de roupas infantis, femininas, masculinas e mobiliário. A franquia vende mais de 2,7 milhões de itens por ano e o número de fornecedores (clientes que levam peças para vender nas lojas), quase dobrou de 2022 para 2023, alcançando mais de 250 mil pessoas.

O mercado de segunda mão cresce cada vez mais ao longo dos anos. Além dos brechós e lojas físicas disponíveis, um ecossistema online de vendas se expandiu, abrindo espaço para os marketplaces focados em consumidores que buscam produtos usados. Um grande case nesse setor é a Beni, uma empresa californiana que desenvolveu uma extensão nos navegadores para que todas as buscas por produtos direcionem o consumidor a itens usados de boa qualidade. Dessa forma, as empresas têm ainda mais facilidade em disponibilizar suas opções de segunda mão para os clientes dentro de marketplaces, aplicativos ou sites.

Outro exemplo relevante no cenário nacional é a Enjoei, plataforma brasileira de compra e venda de roupas usadas, que vem reforçando o papel da tecnologia na promoção da sustentabilidade no varejo. Em 2023, a marca inaugurou sua primeira loja física, conectando o digital ao físico para criar uma jornada de compra mais tangível e próxima do consumidor. A Linx participou da operação com soluções como o Microvix, Venda Fácil, Reshop, QR Linx, TEF e SmartPOS Stone, que garantiram uma experiência mais fluida — desde a gestão de estoque até os meios de pagamento. Esse ecossistema tecnológico não só melhora a eficiência operacional como também contribui diretamente para práticas mais sustentáveis, reduzindo desperdícios e apoiando o modelo de economia circular.

Se antes essa prática ficava restrita a brechós e comércios locais, agora existem grandes varejistas investindo na economia circular, como reflexo de uma mudança significativa nos hábitos de consumo, impulsionada por uma preocupação maior dos consumidores com a sustentabilidade atrelada a preços mais acessíveis. Com a disponibilidade de marketplaces que incentivam a venda de itens usados, o mercado de segunda mão para o varejo de moda se tornou ainda mais acessível para os empreendedores que desejam surfar na onda da sustentabilidade. A economia circular é uma realidade e tende a se fortalecer ainda mais ao longo do tempo.

*Rafael Reolon é diretor de Retail da Linx, empresa do grupo StoneCo e especialista em tecnologia para o varejo

ARTIGO - O Brasil precisa de uma estratégia anti-inflacionária multidimensional

worldfashion • 24/04/25, 13:39

Por Fernando Valente Pimentel*

O cenário inflacionário atual é particularmente preocupante pelo impacto desproporcional nos preços dos alimentos. A alta nos custos da cesta básica representa um fardo adicional para as famílias mais vulneráveis, agravando desigualdades sociais já pronunciadas no País. O problema tem estimulado diversas propostas de ações, algumas das quais merecem análise cuidadosa quanto à sua eficácia e consequências de médio e longo prazo.

Dentre as sugestões que circulam nos debates econômicos, destacam-se a elevação do centro da meta, adoção do núcleo da inflação como principal referência para a política monetária, redução de impostos de importação sobre alimentos e a eliminação do ICMS sobre produtos da cesta básica. Cada uma dessas medidas apresenta potenciais benefícios, mas também limitações significativas quando analisadas isoladamente. Há, ainda, a necessidade de uma coordenação maior entre as políticas monetária e fiscal, cujo equilíbrio adequado permite o controle inflacionário sem comprometer demasiadamente o crescimento econômico.

Um aspecto negligenciado com frequência nos debates sobre a questão é o alto grau de indexação presente na economia nacional. Este mecanismo, que ajusta automaticamente contratos de aluguel, salários, tarifas públicas e rendimentos financeiros com base na inflação passada, cria um ciclo de retroalimentação. A indexação generalizada configura-se como uma “memória inflacionária” institucionalizada, que dificulta qualquer processo de desinflação.

A redução sistemática dos mecanismos de indexação representa um dos maiores desafios, mas também uma das mais promissoras frentes de combate à inflação crônica no Brasil. A desindexação deve ocorrer de modo gradual e consistente, para minimizar custos de transição, mas com determinação suficiente para quebrar a inércia inflacionária. O processo envolve a revisão de legislações que institucionalizam a indexação, o desenvolvimento de novos parâmetros para reajustes contratuais e a construção de um ambiente macroeconômico estável, capaz de reduzir a demanda por proteções contra a inflação.

Não existe uma “bala de prata” capaz de resolver isoladamente o problema. A complexidade do fenômeno exige uma abordagem multidimensional e coordenada, fundamentada em alguns pilares essenciais. O equilíbrio das contas públicas constitui a base para qualquer estratégia anti-inflacionária sustentável. A disciplina fiscal não apenas reduz pressões de demanda sobre preços, mas também fortalece a credibilidade da política econômica como um todo, influenciando positivamente as expectativas dos agentes econômicos. Um arcabouço fiscal crível, com regras claras e respeitadas, reduz os prêmios de risco exigidos pelos investidores e permite que a política monetária opere de modo mais eficiente, com menores taxas de juros para controlar a inflação.

Um ambiente econômico competitivo representa um poderoso mecanismo natural de controle de preços. A concorrência limita a capacidade de repasse de custos aos consumidores e incentiva ganhos de produtividade, elementos que contribuem para uma inflação estruturalmente mais baixa. Medidas que reduzam barreiras à entrada de novos participantes nos mercados, que simplifiquem a abertura e operação de empresas e que ampliem a integração da economia brasileira ao comércio internacional tendem a produzir efeitos desinflacionários duradouros.

O controle da inflação no Brasil requer uma estratégia abrangente e coordenada, que vá além de ajustes pontuais no regime de metas ou na tributação. O tripé composto por responsabilidade fiscal, promoção da concorrência e desindexação gradual oferece um caminho mais promissor para uma desinflação sustentável.

A experiência histórica brasileira e internacional demonstra que não existem atalhos no combate à inflação. Os custos de curto prazo de uma estratégia consistente são significativamente menores do que os danos permanentes causados pela corrosão do poder de compra, especialmente para a população mais vulnerável.

O verdadeiro desafio reside na capacidade de articular diferentes políticas em torno de objetivos comuns, superando interesses setoriais e visões de curto prazo. O controle da inflação é, em última análise, uma questão de escolha social e política por estabilidade e previsibilidade, valores essenciais para o desenvolvimento econômico inclusivo e sustentável.

*Fernando Valente Pimentel é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

Artigo - O paradoxo do emprego e da informalidade no Brasil

worldfashion • 27/03/25, 16:33

Por Fernando Valente Pimentel*

A informalidade não é um problema exclusivamente brasileiro, mas aqui assume proporções que nos distanciam bastante do mundo desenvolvido. A taxa média dentre os membros OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) varia entre 10% e 15%, beirando a 5% nos países nórdicos. No Brasil, oscila entre 36% e 38%. No Pará, Piauí, Maranhão, Ceará, Amazonas, Bahia e Paraíba, mais de 50% dos trabalhadores estão na informalidade. Até mesmo Santa Catarina, exemplo de desenvolvimento industrial, convive com uma taxa de 25% a 26%, também acima da média das nações ricas. Esse é um desafio que não se resolve apenas com políticas públicas genéricas, mas com ações regionalizadas e sensíveis às particularidades de cada região.

Um dos mitos que precisamos desconstruir é a ideia de que a informalidade é sempre uma escolha. Sim, há, hoje, quem prefira trabalhar por conta própria, seja pela flexibilidade, seja pela falta de atratividade dos empregos formais ou até mesmo pela diminuição da diferença de renda entre o trabalho informal e o informal: conforme dados do IBGE, em 2015 quem tinha carteira assinada ganhava 73% mais do que os que não eram registrados. Em 2024, apenas 31%

No Rio de Janeiro, por exemplo, fatores como criminalidade e distância do local de trabalho pesam na decisão. Muitos, em todo o nosso país, estão na informalidade por falta de opção. E é aí que entra a qualificação. Sem uma base educacional sólida, que prepare as pessoas para os empregos do presente e do futuro, fica difícil reduzir ampliar o índice de vagas com carteira assinada e, ao mesmo tempo, aumentar a produtividade.

A propósito, a questão da produtividade é crucial. A riqueza de um país não se sustenta sem ganhos recorrentes nesse quesito. Mas, a informalidade, em muitos casos, é um obstáculo a esses ganhos. Trabalhadores informais tendem a ter menos acesso a treinamentos, tecnologias e condições adequadas para produzir mais e melhor. Isso cria um ciclo vicioso: baixa produtividade gera menos riqueza, que, por sua vez, limita os investimentos em educação e infraestrutura, perpetuando a informalidade. Assim, é preciso refletir se os dados atuais do emprego, como já tivemos em outros momentos, não é um voo de galinha…

A solução, claro, não é simples. Não existe uma “bala de prata” que resolva todos os problemas de uma vez. Porém, há caminhos. Um deles é fortalecer a base industrial, setor que historicamente oferece mais empregos formais e mais bem remunerados. Estados com uma indústria robusta já mostram que essa é uma direção promissora. Outro caminho é pensar em formas flexíveis de trabalho que combinem proteção social e adaptação às necessidades das pessoas. O MEI (Microempreendedor Individual) é um exemplo interessante, pois permite que trabalhadores informais contribuam para a previdência social, ainda que de maneira modesta.

Cabe ponderar, ainda, que o Brasil é plural. Não há solução única para um “continente” com realidades tão diversas. O que funciona no Sul pode não fazer sentido no Nordeste. O que atrai um jovem na capital pode não interessar a um trabalhador rural. Por isso, políticas públicas precisam ser desenhadas com sensibilidade regional e um olhar atento às diferentes formas de trabalho que coexistem no País. Seja um emprego formal, um trabalho autônomo ou uma ocupação temporária, o importante é que todos tenham acesso a condições dignas e oportunidades de crescimento.

Afinal, o desafio é equilibrar o tripé: “qualificar as pessoas para que possam escolher entre a formalidade e a informalidade sem abrir mão de seus direitos”; “reduzir a informalidade sem engessar a economia”; e “aumentar a produtividade sem perder de vista a diversidade de realidades que compõem o Brasil”. Não é uma tarefa fácil, mas seu enfrentamento é essencial para que promovamos ampla inclusão socioeconômica, crescimento sustentado do PIB e geração massiva de empregos dignos em todas as modalidades hoje existentes.

*Fernando Valente Pimentel é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

ARTIGO - Interação justa entre varejo e indústria têxtil é crucial na era da sustentabilidade e digitalização

worldfashion • 04/03/25, 15:37

Por Fernando Valente Pimentel* e Camila Zelezoglo*

As condições adversas do mercado geram consequências prejudiciais para todos os envolvidos. Para a indústria, resultam em instabilidade financeira, dificuldade no planejamento produtivo, investimentos limitados em tecnologia e inovação e, por vezes, comprometimento dos padrões de excelência. Os trabalhadores também são afetados. O próprio varejo sofre com problemas de qualidade, atrasos nas entregas, alta rotatividade de fornecedores e riscos à sua reputação.

A propósito, vale observar os dados de 2024 referentes aos prazos das encomendas dos varejistas aos fabricantes, apresentados na Première Vision, em novembro último, pelo Instituto Français de la Mode. O aprovisionamento de longo prazo (seis meses ou mais antes da estação) representou 48% do total, enquanto o médio prazo (seis meses ou menos antes da estação) foi de 33% e o curto prazo (dentro da estação), 19%.

A criação e adoção voluntária de práticas comerciais mais equilibradas podem melhorar o panorama da cadeia de valor, proporcionando benefícios significativos para todos. O planejamento colaborativo emerge como elemento crucial, abrangendo o estabelecimento conjunto de previsões de demanda, compartilhamento transparente de informações de mercado, definição clara de calendários de desenvolvimento e produção e compromissos de volume consistentes e de longo prazo. A precificação justa desempenha papel igualmente determinante, considerando os custos reais de produção, garantindo margens adequadas para investimentos em melhorias, chancelando o valor agregado e promovendo negociações transparentes.

Para a indústria, esses avanços significam maior estabilidade financeira, capacidade de investimento em inovação, desenvolvimento de produtos diferenciados e relacionamentos comerciais duradouros. Os trabalhadores beneficiam-se com melhores condições laborais e oportunidades mais amplas de crescimento profissional. O varejo, por sua vez, obtém produtos de maior qualidade, fornecedores mais comprometidos, cadeias de suprimento mais confiáveis e melhor reputação corporativa.

A revisão dos processos interativos deve considerar as transformações disruptivas pelas quais o setor têxtil e de confecção está passando globalmente. A digitalização avança rapidamente, viabilizando sistemas integrados de planejamento, plataformas colaborativas avançadas, rastreabilidade completa da cadeia de suprimentos e métricas precisas de desempenho. Ao mesmo tempo, a sustentabilidade impõe-se como imperativo estratégico. Fibras regeneradas, tecnologias de reciclagem mecânica e química, além de novas regulamentações ambientais, estão inaugurando uma nova era para nossa atividade.

Nesse cenário dinâmico, a construção de relações comerciais mais equilibradas entre varejo e indústria têxtil não representa apenas uma questão ética, mas uma necessidade estratégica para a sustentabilidade do setor. A adoção proativa de melhores práticas comerciais pode criar um círculo virtuoso benéfico para toda a cadeia produtiva, desde os trabalhadores nas fábricas até o consumidor final.

O Brasil detém condições singulares para liderar esse movimento transformador, por contar com todos os elos da cadeia produtiva e distributiva integrados em seu território. As empresas que encabeçarem as mudanças contribuirão para que o setor seja mais sustentável e se destacarão, pois se posicionarão competitivamente em um mercado cada vez mais consciente e exigente.

O estabelecimento de modelos comerciais mais justos representa um investimento estratégico no futuro do setor, criando alicerces sólidos para inovação, crescimento sustentável e relações comerciais duradouras. À medida que mais empresas adotem voluntariamente essas práticas, será consolidado um novo paradigma de mercado, demonstrando ser possível harmonizar sucesso comercial e econômico com responsabilidade social e sustentabilidade ambiental.

*Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

*Camila Zelezoglo é gerente de Sustentabilidade e Inovação da Abit.

ARTIGO - Balança comercial aponta desafios cruciais para o setor têxtil e de confecção do Brasil

worldfashion • 03/02/25, 10:32

Por Fernando Valente Pimentel*

O setor têxtil e de confecção ilustra este cenário: enquanto as exportações de algodão, aproximadamente 2,8 milhões de toneladas, geraram cerca de US$ 5 bilhões, os produtos manufaturados alcançaram apenas US$ 1 bilhão. Esta disparidade evidencia nossa crescente especialização na exportação de matérias-primas, um modelo que, embora não seja intrinsecamente negativo, demanda urgente diversificação.

Em meio a este contexto, destaca-se um dado preocupante: o Brasil tornou-se um dos principais destinos das exportações asiáticas, com destaque para a China. Esta, respondendo por um terço da produção industrial global e um superávit comercial de US$ 1 trilhão em 2024, impacta significativamente nosso setor têxtil. O déficit setorial de US$ 5,6 bilhões em 2024 (US$ 1 bilhão em exportações versus US$ 6,6 bilhões em importações) é alarmante, especialmente considerando que cerca de 60% das importações são de origem chinesa.

O cenário para 2025 apresenta desafios ainda mais complexos, com previsão de crescimento do PIB brasileiro de 2,06%, menor que os 3,5% de 2024. Soma-se a isso o possível aumento das barreiras comerciais globais, especialmente nos Estados Unidos, e a provável intensificação da busca por mercados alternativos pelos exportadores mundiais, que certamente mirarão o mercado brasileiro.

O programa Nova Indústria Brasil (NIB) representa uma iniciativa promissora para adensar as cadeias produtivas nacionais. Entretanto, são necessárias ações complementares, incluindo a utilização mais efetiva de medidas legítimas de defesa comercial, a busca por novos acordos internacionais, como o Mercosul-União Europeia, o qual esperamos que seja ratificado este ano e implementado em termos práticos em 2026. É fundamenta, ainda, a redução do “Custo Brasil” e investimentos consistentes em modernização e produtividade.

Os números de 2024 são preocupantes para o setor têxtil e de confecção, pois as importações cresceram cinco vezes mais rapidamente do que a produção e seis vezes mais do que o varejo. A situação é grave, considerando que muitos produtos importados chegam com preços predatórios, sustentados por subsídios e práticas laborais e ambientais incompatíveis com os padrões brasileiros.

A indústria têxtil e de confecção brasileira encontra-se em um momento crucial. Ainda que o superávit comercial geral seja positivo, as entrelinhas dos dados revelam desafios significativos, que precisam ser enfrentados com políticas assertivas e ações coordenadas entre governo e setor privado. Em paralelo à agenda de competitividade interna, necessitamos fortalecer nossa capacidade de exportação de produtos manufaturados.

O setor, com ações capitaneadas pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), mantém uma agenda ativa e ofensiva para conquistar mais mercados internacionais, incluindo pesquisa de mercado, estudos detalhados sobre os mercados-alvo, adaptação de produtos e marketing, certificações internacionais, desenvolvimento de competências, parcerias estratégicas, e-commerce e participação em eventos. Ademais, em parceria com a Apex, mantemos o programa TexBrasil. Por meio dessa iniciativa, as empresas recebem suporte em diversas áreas, como qualificação profissional, inteligência de mercado, promoção comercial e sustentabilidade, o que lhes permite fortalecer sua competitividade.

A despeito das estratégias e projetos setoriais, se o Brasil não conseguir resgatar níveis mais elevados de competitividade para conquistar mercados internacionais, corremos o risco de comprometer seriamente o futuro do nosso setor têxtil e de confecção, que está sendo atacado internamente, com capacidade de reação menor do a daqueles que estão entrando em nosso mercado. O momento exige ações de coordenação entre os setores público e privado, como já está acontecendo, pois, a sustentabilidade e pujança do parque fabril e da economia do nosso país depende da nossa capacidade de responder a esses desafios.

*Fernando Valente Pimentel é diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

ARTIGO - Brasil pode vencer os desafios do trabalho informal, produtividade e reindustrialização

worldfashion • 27/01/25, 14:59

Por Fernando Valente Pimentel*
A distribuição da informalidade apresenta variações regionais significativas. Enquanto o Norte e o Nordeste registram os maiores índices, o Sul e o Sudeste têm taxas menores. Santa Catarina, com 26,4%, destaca-se como o Estado com o menor percentual.
O problema não é um fenômeno isolado, mas parte de uma complexa teia de relações econômicas e sociais. Existe uma estreita correlação entre os níveis de informalidade, programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e menor presença local e regional da indústria. Essa interconexão revela desafios estruturais profundos na economia brasileira.
A baixa produtividade emerge como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento. A informalidade contribui decisivamente para esse cenário, criando um ciclo vicioso de precariedade laboral e baixa geração de valor econômico. Trabalhadores informais geralmente carecem de proteção social, treinamento especializado e acesso a tecnologias que poderiam elevar sua eficácia.
Para enfrentar esses desafios, é fundamental uma estratégia multidimensional. As principais frentes de atuação devem incluir: políticas de formalização, com simplificação burocrática e redução da carga tributária sobre o emprego formal; investimento em educação e qualificação profissional, alinhando formação às demandas do mercado; e estratégias de reindustrialização, com fomento à inovação e atração de investimentos na indústria, que é empregadora intensiva, e demais setores importantes para o desenvolvimento.
Cabe lembrar que o governo está adotando medidas nesse sentido, como a Nova Indústria Brasil (NIB), Brasil Mais Produtivo (B+P), Plano Mais Produção e Depreciação Acelerada. O êxito desses programas contribuirá para a geração mais intensiva de empregos formais. Também se requer um esforço coordenado entre o poder público, setor privado e sociedade civil. É necessário criar um ambiente institucional e econômico que promova a formalização, capacitação e formação de competências e a modernização do tecido produtivo nacional.
Trata-se de uma jornada permeada por obstáculos complexos, mas não instransponíveis. Com planejamento estratégico, temos tudo para realizar um projeto nacional de desenvolvimento que valorize o capital humano, promova a inclusão produtiva e estabeleça as bases para o crescimento sustentável e socialmente justo.
*Fernando Valente Pimentel é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

ARTIGO - O SISTEMA DE MODA

worldfashion • 20/01/25, 08:59

BY OLIVIA MERQUIOR

Moda não é uma roupa, não é vestuário, nem indumentária. Moda é um sistema.

Como desvelar o sistema? O que a moda pode aprender com o filme “Ainda Estou Aqui”?

Aletheia é um conceito da filosofia da arte que tenta explicar o momento em que nos deparamos com obras ou situações que rompem uma percepção do mundo.

A palavra vem do grego antigo, onde a- (negação) e lēthē (ocultação ou esquecimento) se juntam para expressar esse registro tão potente e transformador que nunca mais será esquecido.

Na década de 30, o polêmico filósofo Martin Heidegger trouxe Aletheia para o mundo moderno. Em suas conferências, ele defende que a arte pode revelar a verdade por meio de um processo de desocultação. O interessante é a separação que ele faz entre a experiência de criação e o objeto que permanece no mundo.

Quando li “A Origem da Obra de Arte”, fiquei bastante perturbada. Para Heidegger, o ser-arte acontece no momento de construção da obra, em um chronos suspenso em que “o artista posta-se diante da obra como algo indiferente, quase como uma passagem que se autoaniquila para a produção da obra, no ato de criar”. O artista como corpo e a arte como objeto se fundem em Aletheia. Quando chega ao museu, a obra vira objeto e, segundo ele, sua potência de desvelamento (ser-arte) não está mais ali. Aletheia instala um mundo.

Não apenas obras de arte (no conceito tradicional) têm o poder de desvelar coisas que estão diante de nós, mas que, por uma busca de conformidade ou conveniência, não enxergamos. O olhar do artista é aquele que, ao se deparar com um alvorecer, é arrebatado pela grandiosidade do gradiente de cores que se desmancham no infinito. A Aletheia, porém, essa rachadura nas nossas certezas, pode acontecer de forma menos agradável.

Diante de um acidente, o olhar desinteressado de um artista pode ser exposto à estranheza de um crânio esmagado. Até aquele momento, uma cabeça era parte íntegra de um corpo, e nada se pensava sobre as texturas de seu interior. Ao vê-la espatifada como porcelana derramando seu conteúdo vermelho, alaranjado, viscoso, mole, o artista nunca mais olhará para uma cabeça em pleno funcionamento da mesma forma.

Diferente de um médico, ensinado a compreender a cabeça por suas funções e utilidade, no olhar desinteressado do artista, o arrebatamento do crânio esmagado pode desvelar uma verdade que reorienta totalmente seu estar-no-mundo.

Uma pintura que desvela (aletheia) um mundo inteiro. Heidegger menciona esta obra específica de Van Gogh (Par de Sapatos, 1895)

Aquilo que nos olha e aquilo que queremos ver

Esse conceito de busca pela verdade, não por meio de fatos, mas por uma compreensão transformadora do mundo, está presente na poesia delicadamente violenta do roteiro de Ainda Estou Aqui.

Porém, o que mais me interessa nesse artigo é traçar uma analogia entre o olhar convenientemente preservado sobre o fazer cultural, tanto no cinema quanto na moda, no mundo de hoje.

Para que uma obra de arte seja capaz de gerar o arrebatamento de um alvorecer ou de um crânio esmagado — seja em filme ou em um objeto vestível —, ela precisa carregar um “ser”, algo difícil de explicar.

Não à toa, a maioria das obras filosóficas não são leituras fáceis de enfrentar, e não por acaso, definir o que é uma obra de arte permanece uma tarefa polêmica.

Eu não fui arrebatada pelo filme. Chorei, me maravilhei com a qualidade cinematográfica, com os detalhes da direção de arte, e sou fascinada pela inteligência dramática de Fernanda Torres. O momento Aletheia não chegou para mim naquela sala de cinema, mas aplaudi o fato de estar diante de uma obra que, sim, considero capaz de vencer o mercado internacional. Afinal, o mercado de prêmios é menos movido por Aletheias e mais por uma visão desvelada de como o sistema funciona.

Quando aplaudimos Fernanda Torres pelo seu merecido globo, a sensação é de que o país venceu junto com ela. Quando vemos jovens estilistas nacionais serem indicados a louros no exterior, também sentimos isso. É uma sensação de alívio, como se nem tudo estivesse perdido. No mundo das redes sociais, rapidamente surgem fios que começam a se multiplicar, proclamando que este é “o ano do(a) [escolha sua área] brasileiro(a)”.

A moda, principalmente, tem esse impulso motivador. Apesar de não haver premiações nacionais, da principal semana de moda do país (e da América Latina) estar desvalorizada, da mídia não especializada ignorar a moda como cultura e das políticas de fomento praticamente inexistirem para o setor, nas redes sociais, no fim do ano passado, só se falava do grande momento da moda nacional.

Roberto Jatahy, CEO do Grupo Soma — responsável pela expansão da FARM —, alertou, no palco do Iguatemi Talks, que a reputação do Brasil estava muito ruim, o que dificultava todo o trabalho de internacionalização da marca. Uma grande rede social me confidenciou que os investimentos na área de moda para o Brasil haviam sido suspensos por falta de movimentos interessantes. Embaixadas relataram que seus países não estavam priorizando relações com a moda brasileira no momento. Mesmo assim, nas redes sociais, eu continuava sendo impactada pelo otimismo em torno do suposto grande momento da moda nacional.

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ARTIGO - Brasil precisa acelerar o ritmo das agendas prioritárias muito antes do Carnaval chegar

worldfashion • 09/01/25, 09:12

Por Fernando Valente Pimentel*

No entanto, o horizonte de 2025 apresenta alguns pontos de atenção. A sustentabilidade fiscal permanece como fonte de preocupação para os mercados, refletindo-se na valorização do dólar e na manutenção de taxas de juros elevadas. As projeções indicam uma desaceleração do aumento do PIB e uma redução no ritmo dos investimentos, sinalizando a necessidade de ações corretivas imediatas.

Nesse contexto, a agenda da Nova Indústria Brasil (NIB) emerge como pauta fundamental para o crescimento sustentável. O fortalecimento da base manufatureira, de modo a aumentar a participação mundial do Brasil no comércio de bens e produtos de maior valor agregado, é essencial para gerar empregos qualificados e reduzir vulnerabilidades externas. A transição energética e a economia verde apresentam oportunidades únicas para o País recuperar seu protagonismo no setor, aproveitando nossas vantagens competitivas em energia limpa e biodiversidade.

Um desafio particularmente grave e urgente é o combate ao crime organizado, que tem demonstrado crescente ousadia e capacidade de articulação. As facções não apenas causam perdas irreparáveis de vidas humanas, mas também geram impactos econômicos substanciais, afetando o comércio, o turismo e os investimentos em diversas regiões. A sensação de insegurança e os custos diretos e indiretos da violência representam um pesado fardo para o desenvolvimento nacional, exigindo resposta coordenada e efetiva do Estado em todas as suas esferas.

O cenário internacional adiciona ingredientes de complexidade e incerteza para 2025. Os conflitos mais visíveis entre Rússia e Ucrânia e no Oriente Médio arrastam-se sem perspectiva clara de resolução e continuam impactando as cadeias globais de suprimentos e os preços das commodities. Em paralelo, as crescentes tensões entre China e Estados Unidos - especialmente no campo tecnológico e comercial - geram instabilidade nos mercados internacionais e exigem um delicado exercício de equilíbrio diplomático dos demais países.

A volta de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos é uma nova variável na equação geopolítica global. As incertezas quanto ao posicionamento norte-americano em questões cruciais - desde acordos comerciais até compromissos climáticos - podem afetar significativamente o ambiente do comércio exterior e exigir readequações nas estratégias diplomáticas e comerciais do Brasil. Tal cenário reforça ainda mais a importância de fortalecermos nossa base industrial e reduzirmos dependências externas estratégicas. Ademais, esse quadro, com potencial aumento expressivo do imposto de importação sobre os produtos chineses por parte dos EUA, levará a desvios de comércio, e o Brasil será um dos estuários desse redirecionamento, com o setor têxtil e de confecção sendo especialmente afetado. Em 2024, por exemplo, a importação de produtos têxteis e confeccionados cresceu seis vezes mais do que a produção e o consumo locais.

O ano de 2025 é decisivo, demandando ação coordenada e determinada em diversas frentes. O desequilíbrio fiscal, a trajetória ascendente da dívida pública e a necessidade de fortalecer a política industrial moderna e competitiva são desafios que precisam ser enfrentados com eficácia e pragmatismo. Não há espaço para procrastinação ou soluções paliativas. O momento exige reformas estruturantes, como a administrativa, que seguiu adormecida em 2024, e medidas efetivas de equilíbrio e bom senso na dosimetria dos juros e política fiscal.

No âmbito político-institucional, enfrentaremos uma agenda intensa no Congresso Nacional e no Poder Judiciário. As decisões tomadas nessas esferas terão impacto direto na capacidade do Brasil de endereçar seus problemas mais urgentes, desde a segurança pública até a manutenção de uma trajetória de crescimento sustentado e sustentável, passando pela criação de um ambiente favorável aos investimentos produtivos e à inovação tecnológica.

Em paralelo, 2025 coloca o País em posição destacada no cenário internacional. A presidência do BRICS oferece oportunidade única para exercermos liderança em questões globais estratégicas, especialmente em um momento de realinhamento das forças geopolíticas mundiais. Ademais, a realização da COP 30 em Belém do Pará, em novembro, reforça o protagonismo brasileiro nas discussões sobre sustentabilidade e mudanças climáticas, tema que ganha ainda mais relevância diante das incertezas sobre o comprometimento das grandes potências com as metas ambientais do planeta e que pode catalisar nossa reindustrialização verde.

O questionável estigma popular de que o ano brasileiro só começa após o Carnaval precisa ser deixado de lado. Os desafios e oportunidades que se apresentam não podem esperar. É imperativo iniciar 2025 a pleno vapor, com senso de urgência e determinação, mobilizando todos os setores da sociedade e do poder público em torno de uma agenda comum de desenvolvimento e segurança. O País não pode, como consta em conhecido verso de Chico Buarque de Holanda, ficar “se guardando para quando o Carnaval chegar”. É hora de manter a sintonia, a afinação, o ritmo e a harmonia no âmbito das agendas prioritárias.

É premente arregaçar as mangas e trabalhar pela construção do futuro que o Brasil merece, tendo em vista não apenas os desafios domésticos, mas também seu papel em um mundo cada vez mais complexo e interconectado. Um país mais forte industrialmente e em outros segmentos da economia será mais resiliente e capaz de garantir bem-estar e vida melhor para sua população.

*Fernando Valente Pimentel é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

ARTIGO - Acordo entre Mercosul e União Européia

worldfashion • 06/12/24, 15:31

Por Ricardo Steinbruch* e Fernando Valente Pimentel**

No âmbito da iniciativa privada, a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) foi uma das pioneiras nas negociações voltadas ao estabelecimento de parâmetros mercadológicos equilibrados e justos, cujos resultados tiveram êxito. Foi um trabalho consistente de diplomacia econômica realizado em conjunto com a European Apparel and Textile Confederation (Euratex).

Com o Acordo entre Mercosul e União Européia,  serão eliminadas tarifas,  para 97% dos bens manufaturados no comércio entre os dois blocos. Consideradas as oportunidades de aumento dos investimentos e exportações, criação de empregos, fomento da produção e aporte tecnológico, o tratado será importante para impulsionar o crescimento sustentável e elevar o Brasil ao patamar de renda alta.

A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), que representa também mais de 25 mil pequenas empresas à partir de cinco ou mais funcionários, empregadoras de até 1,3 milhão de pessoas em todo o Brasil, tem plena convicção de que a implementação do acordo será de extrema relevância para a promoção e facilitação do comércio, serviços e investimentos do setor, bem como o aumento da cooperação entre as empresas dos dois blocos. É uma oportunidade histórica!

Para a indústria têxtil e de confecção brasileira, o acordo proporciona uma série de oportunidades, a começar pelo acesso ao mercado consumidor da União Europeia, o segundo maior do mundo, com 500 milhões de pessoas, no universo de um PIB total de US$ 22 trilhões. Isso significa expressivo potencial de crescimento da produção e vendas.

É concreta, portanto, a perspectiva de aumento e diversificação das exportações do setor para a União Europeia, até hoje restritas pela ausência do acordo. A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) estima um impacto positivo na criação de 300 mil postos de trabalho formais em até 10 anos, em função da ampliação do comércio. Também haverá melhores condições para o intercambio tecnológico, já que o Brasil e a União Europeia têm importantes centros de inovação e pesquisa.

Os benefícios aqui enumerados estendem-se à grande maioria dos setores de atividade. Para todos, o acordo também oferece oportunidade de promover a convergência de normas e padrões comerciais, facilitando o comércio e aumentando a segurança jurídica dos investidores. Outro impacto positivo é o posicionamento do Mercosul como ator relevante no cenário internacional.

Há, ainda, um diferencial competitivo fundamental a ser explorado: o grande potencial referente à bioeconomia, geração de energia limpa e de fontes renováveis e contribuição da indústria para reduzir a emissão de gases de efeito estufa e mitigar as mudanças climáticas. Somado aos empregos dignos e aderentes ao compliance, inclusive respaldados pela rígida legislação trabalhista brasileira, o caráter sustentável da produção contempla de maneira ímpar os preceitos da governança ambiental, social e corporativa (ESG). É tudo o que os europeus defendem e exigem cada vez mais de seus parceiros comerciais e fornecedores.

Cabe salientar, também, que o aumento da nossa competitividade global nos proporciona melhores condições de enfrentar a concorrência de importados em nosso mercado interno. Além disso, o acordo entre o Mercosul e a União Europeia é congruente com nossas metas de fomento e modernização industrial. Com sua vigência, os países dos dois blocos têm muito a ganhar.

*Ricardo Steinbruch é o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).

**Fernando Valente Pimentel é o diretor-superintendente e presidente emérito da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).