Kathia Castilho fala do desafio de ser editora no Brasil

worldfashion • 04/05/18, 10:19

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Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Kathia Castilho é também empresária, atuante num dos setores mais desafiantes do País: o editorial. Dona da Estação das Letras e Cores, editora especializada principalmente nas áreas de Moda e Comunicação, Kathia Castilho fala com exclusividade ao World Fashion sobre o mercado em que atua e sobre a necessidade de permanente inovação, tendo sempre em vista a primazia da pesquisa em profundidade para um conteúdo de excelência.

A empresária é autora dos livros: “Corpo e moda – Por uma compreensão do contemporâneo”, “Consumo – Práticas e narrativas”, “Semiótica nas Práticas Sociais” e “Colóquio de Moda: 10 Anos”.

eletrasecoresWorld Fashion – Os dois últimos anos foram severos em termos de resultados para todos e em todas as áreas do mercado e até mesmo para as faculdades, que enfrentam dificuldades para manter os seus cursos. Mas somos testemunhas de sua perseverança em continuar acreditando no mercado editorial de moda, com diversos lançamentos de títulos. Como vê agora a experiência da Estação das Letras e Cores nos dois últimos anos, 2016 e 2017?

Kathia Castilho – A permanência neste mercado tem sido um desafio imenso. Nós nos reinventamos a cada momento, de olho nas oportunidades de continuidade. No  final de 2016, revimos toda a nossa pequena e enxuta estrutura, inclusive com corte de pessoal – o que mais me entristeceu. Tínhamos em mente a dificuldade que seria retornar. Em março de 2017, Solange Pelinson, que vinha do mercado financeiro, tornou-se sócia da Estação das Letras e Cores. 74582f_f78d76f2d90449bc912674a325212047_mv2Foi um ano de grandes mudanças, análise de custos e ajustes. Passamos o ano tentando entender as oscilações de mercado, buscando novas oportunidades, novos canais de vendas, procurando aproximar ainda mais a parceria com os autores. Para uma editora independente, a sobrevivência no mercado editorial depende de fôlego, inovação e força de trabalho. Isso tudo torna nossa missão muito arriscada, mas também desafiadora.

W. F. – Na sua visão, qual a perspectiva para o mercado editorial em 2018?

K. C. – Ainda não sentimos crescimento nas vendas, apesar de os indicadores apontarem que haverá crescimento. No caso específico da Estação de Letras e Cores, é preciso dizer que moda ainda é uma área de baixíssimo investimento e interesse no que diz respeito a leituras especializadas. Também publicamos livros na área de Comunicação, e a diferença é notável. Claro que esta é uma área madura em termos de estudos e pesquisas, e os autores têm público em pesquisa e interessado em determinados fenômenos. Na moda ainda não conseguimos formar este interesse.

livrookcvfinaltrocado.cdrW. F. – Quais os temas de moda que despertam interesse editorial da Estação das Letras e Cores? Negócios; comportamento do consumidor; globalização; histórias de personalidades da moda; revolução digital, teses acadêmicas, etc.?.

K. C. – Aqui na editora, temas relevantes de pesquisas sempre foram muito bem vindos. Aliás, a editora nasceu assim. Sabemos e acompanhamos bem de perto o alto nível de investigação que existe hoje na área em Universidades brasileiras.  Interessa-nos todos os temas relacionados à moda e à comunicação, tratados em profundidade de análise ou que tenham relações e desdobramentos interessantes para o mercado e para a pesquisa, ainda que muitas vezes nos pareça que um setor não olha para o outro.

b0aead_60114f1aa0514f0980e277f33070c242_mv21W.F. – Nos últimos meses, o World Fashion esteve presente em eventos ligados ao varejo. Na quase totalidade dessas palestras, mesas redondas e seminários, com executivos, consultores e professores, temas como a revolução digital, o uso intenso da tecnologia e a necessidade de mudança de atitude para incorporar as novidades desse novo cenário foram recorrentes. Como a Estação das Letras e Cores encara essa tendência de valorizar a tecnologia e processos sobre os aspectos de comportamento e de negócios até então editados?

K. C. – É importante perceber e acompanhar estas mudanças que se inserem em nossos fazeres, se instalam em nossas casas, trabalhos e dinâmicas de vida. Claro que no varejo assumem proporções macro e estes estudos são vitais para que possamos pensar a contemporaneidade. Nós editamos e publicamos o livro Revolução 4.0, por exemplo, que resulta de um grande esforço de associações relacionadas à moda e é distribuído gratuitamente. Mas também temos consciência que o Brasil é um país que tem muitos tipos de mercado que funcionam simultaneamente e que apesar dos mindsets apontarem determinadas tendências, há a necessidade de formar e discutir diferentes modelos de mercado e de grupos que promovem ou espelham tendências por aqui.

74582f_17d038189e2b4350b992fc993252e7fa_mv2W.F. – Como estudiosa da área da Semiótica e sua influência na moda, como vê essa tendência de valorizar tecnologia? Há risco de a moda, como negócio, perder o valor emocional (estilistas, coleções, personagens, modelos, passarelas) para considerar aspectos racionais de eficiência de resultados?

K. C. – A tecnologia nos seduz e muito e nos permite um alcance de conexões e de conhecimento de experiências e de reflexões extraordinárias. A área de Comunicação hoje tem excelentes estudos a este respeito e temos também publicado trabalhos neste sentido. A tecnologia possibilita um investimento afetivo maior e mais amplo por meio de estratégias e mídias diferenciadas. O valor emocional que a marca constrói pode ser compartilhado e narrar também experiências daqueles que acreditam e se identificam com a marca e o produto. Porém, acredito, sim, que o consumidor é cada vez mais protagonista de suas escolhas, tem a possibilidade de analisar e acompanhar os discursos das marcas e estamos cada vez mais interessados nas histórias de mundo criados por estilistas, modelos e passarelas como exercícios narrativos, criativos e éticos (uma postura que me parece cada vez mais chamar a atenção de todos)

downloadW. F. – O Colóquio de Moda – congresso científico tem como principal objetivo promover a troca de conhecimentos a respeito da arte, da ciência e da tecnologia desenvolvidas por meio da produção científica nacional e internacional no campo da Moda – é mais uma de suas iniciativas. Com quase duas décadas de realização do evento, como você vê, da perspectiva editorial, a contribuição do encontro para difusão da cultura da moda academicamente e em matéria de negócios?

Capa_Moda e Sutentabilidade final.inddK. C. – O Colóquio de Moda (http://www.coloquiomoda.com.br/) chega esse ano à 14ª edição. Um evento que, na minha opinião, alicerçou e ancora o pensamento reflexivo e a pesquisa de moda no Brasil. Ele nasce interdisciplinar (como deve ser), agregando pesquisadores interessados em estudo e na cientificidade acadêmica da área de moda no Brasil. O Colóquio é inspirador. Os anais que publicam os textos e pesquisas selecionadas a cada edição mostram, em número, o crescimento de pesquisadores e também o amadurecimento de vários estudiosos que frequentam, discutem e publicam seus trabalhos no Colóquio com frequência. Vai se formando um grande grupo aberto, já que a cada ano descobrem-se outros focos, outros eixos de estudo. Descobri facilmente que incentivar este tipo de articulação de troca, de encontros e de pesquisa com pessoas é um de meus principais interesses de vida. A Estação das Letras e Cores tem muito diálogo com vários dos pesquisadores que por ali estão. Alguns são (orgulhosamente) nossos autores, conselheiros. Há também alguns autores que não fazem necessariamente parte do mundo acadêmico e procuro fazer com que conheçam e participem de alguma de nossas edições. Acredito que a Editora quando publica, procura ampliar uma determinada informação e, neste sentido, tem um papel importante no endereçamento de estudos.

da redação entrevista exclusiva por Luís Tadeu Dix     fotos: divulgação