worldfashion • 05/12/23, 10:26
Com direção de moda liderada pela estilista Thais Losso, o desfile “TUDO PODE ACONTECER”, busca transformar a indústria têxtil e da moda, enfatizando a diversidade de materiais disponíveis para reuso, contribuindo para a redução do descarte.
A Trama Afetiva leva à Brasil Eco Fashion Week a força coletiva da transformação na moda reunindo uma rede de parcerias inédita em upcycling em seu desfile
Por sempre busca um ecossistema de moda inclusivo, sustentável, transparente, lucrativo e criativo. É imprescindível a abordagem coletiva das iniciativas da Trama, que conta com grupos de costureiras, cooperativas de tratamento de resíduos e coletivos de artesanato, para trabalhar segundo o upcycling, técnica que recupera matérias-primas em desuso na prática produtiva central de criação das peças únicas da Trama.
É essa força agregadora que guia do desfile da plataforma na próxima edição da Brasil Eco Fashion Week (BEFW), no dia 7 de dezembro, às 20h30, inteiramente composta de criações colaborativas, sempre seguindo o upcycling, para reforçar o compromisso da Trama com uma articulação coletiva para transformar a indústria têxtil e da moda em todos os seus níveis.
Os parceiros são a AZLA (calçados), a Sagui Óculos (óculos de sol), a Revoada (bolsas) e Justine Le Lapin (acessórios). Também fazem parte o designer de superfícies Anderson Rubbo, da Silk na Goma (estampas em silk) e o grupo de crocheteiras Empreendedoras da Quebrada. Os looks do desfile serão arrematados por acessórios de cabeça criados pelo diretor de arte Zeca Gerace, e em três looks do desfile, modelos levam objetos cênicos assinados pelo ator e artista plástico Nelson Baskerville.
O nome da coleção tem origem na trilha composta para o desfile pelo sound designer Dan Maia, outro criativo parceiro, que fez um upcycling musical: a frase vem de um verso da música “Chuva”, interpretada por Gaby Amarantos e presente no remix “Tropicanalha”, criado pelo DJ Ad Ferreira em 2013 e retrabalhado por Dan para o desfile.
“A frase ‘Tudo pode acontecer’ diz muito sobre a liberdade de experimentações que constrói nosso
processo criativo, além de falar das incertezas climáticas que nos rodeiam –
um dia tempestade, noutro calor escaldante –
caracterizando nossa participação na Brasil Eco Fashion Week como
um manifesto micropolítico por meio da moda”,
declara Jackson Araujo, diretor criativo da Trama Afetiva.
O desfile é, de fato, um recorte detalhado das camadas de estrutura política que a Trama atravessa tendo o impacto social como perspectiva maior do seu trabalho como plataforma de pesquisa e criação em design regenerativo na moda.
Com o investimento de recursos financeiros e humanos para suas iniciativas, a Trama potencializa cerca de 300 costureiras e catadoras mensalmente – em sua maioria, mulheres responsáveis pelo sustento de suas famílias. Todos os itens do desfile e as peças da Trama estarão à venda na Feira da Rosenbaum e na loja Bafu.
A mente criativa por trás das peças da Trama é a estilista Thais Losso, diretora de moda da iniciativa e estilista de uma geração que redefiniu a moda brasileira, com criatividade e autenticidade entre os anos 1990 e 2000 – trabalhando para as marcas Cavalera e Zapping. A coleção de vestíveis deste ano já confirma a adoção do upcycling como caminho, já que todas as peças são confeccionadas em náilon de guarda-chuvas recuperados do descarte de resíduos sólidos. Em aterros sanitários, esse náilon levaria 30 anos para se decompor.
A ideia principal da linha consiste em dispor de uma série de peças únicas que, combinadas entre si, podem construir um guarda-roupa pautado pelo maximalismo, com muitas referências à mistura de estampas, cores e modelagens da moda esportiva e de rua. Isto vai na contramão do minimalismo comum às etiquetas de moda responsável e procura provas que a sustentabilidade começa nas etapas de produção, antes das roupas chegarem às mãos do consumidor.
As estampas variadas e os tons vibrantes do náilon dos panos dos guarda-chuvas são coautores das peças da Trama, já que convidam a pensar diferentes possibilidades de combinação para um mesmo item. Quanto mais opções, melhor para montagem desse quebra-cabeça têxtil, que é o que move a criação de Thais Losso: a estilista gosta de ser surpreendida pela diversidade do material que chega das cooperativas de catadoras de resíduos sólidos, que fornecem o náilon para ser transformado em vestíveis e acessórios.
“Essa lógica da surpresa rompe com o esquema tradicional em que o designer
cria sabendo a cartela de cores e estampas na qual vai trabalhar.
Aqui, só sabemos que é náilon de guarda-chuvas e que,
além da surpresa com as cores e estampas,
também temos que lidar com as variáveis de gramatura.
E tudo vai surgindo mesmo é na mesa de corte,
ao darmos forma às peças como num caleidoscópio”,
conta Thais. “Tudo pode acontecer”, conclui.
‘Mais é mais’: autoria compartilhada que aumenta as possibilidades de reuso da matéria-prima
É este um dos traços mais marcantes do que a Trama chama de ‘Mais é mais’, em que quanto mais material disponível mais formas surgem de reaproveitá-lo. “Quanto mais possibilidades criamos de utilização do náilon, mais conseguimos interditar a ida do material para o aterro sanitário”, afirma Thais. Outro ponto importante de seu trabalho na Trama é que ela modela e corta com duas assistentes, mas sua definição da modelagem e do corte é decisiva para o aproveitamento criativo do náilon.
PARCEIROS – PEÇAS EM CROCHÊ
No reemprego do náilon para as peças da Trama, a criatividade de Thais conta com a força das Empreendedoras da Quebrada, grupo de crocheteiras da região do Jaraguá, Zona Norte de São Paulo, nos itens em crochê. Eles são elaborados com fitas recortadas do náilon dos guarda-chuvas fornecidos pelas cooperativas de catadoras de resíduos sólidos. As fitas são feitas seguindo técnica desenvolvida por Thais Losso, capaz de obter 42 metros de fita de náilon de cada pano de guarda-chuva resgatado do lixo. Thais selecionou as capas em cor preta, única nuance que se repete nos lotes de guarda-chuvas recuperados do descarte, e fez do crochê preto a marca registrada desta prática desenvolvida na Trama Afetiva e transmitida às Empreendedoras da Quebrada. “Ao todo, foram usados 250 guarda-chuvas, dos quais 45 tiveram seus panos transformados em fitas para crochê, resultando em 1.764 metros de fita”, revela Thais.
ESTAMPARIA EXCLUSIVA
O náilon multicolorido dos guarda-chuvas ganha uma camada extra de criatividade com as estampas em silk do artista plástico e serígrafo Anderson Rubbo, que atua como designer de superfícies há mais de 25 anos. Ele idealizou o curso Silk na Goma para ensinar a impressão doméstica de desenhos, a baixo custo. Em sua série de quadros “Mata borrão/Viva o borrão”, Anderson utiliza upcycling de material artístico que seria descartado, como telas, restos de tinta, retalhos e sobras de tecido, embalagens, para retratar por meio da sobreposição, imagens do lugar onde nasceu, o bairro periférico da Penha, em São Paulo. Para a Trama Afetiva, Anderson também traduz o ambiente das cidades, criando estampas em linguagem de fanzine sobre o náilon, com desenhos inéditos feitos a partir de telas de silkscreen já existentes, sugerindo a ideia de muros rabiscados, grafitados e pichados.
CALÇADOS RESPONSÁVEIS
Os sapatos dos looks da apresentação são assinados pela AZLA, marca de Matheus Yoshimura, à frente do design e da criação das peças, e Lucas Dorr, que conduz a gestão sustentável da produção e operações da empresa. Para eles, criar com intenção é mais que uma prática; é uma filosofia de design – os calçados são versáteis, atemporais e transcendem a obviedade, incorporando uma linguagem contemporânea que reflete o pacto da marca com a inovação, não apenas em termos de moda, mas também no compromisso com o planeta. Isso é visto nos detalhes: o material de solados e palmilhas é o PVC sustentável, composto por 60% de fontes renováveis, como sal marinho, plastificantes de mamona, soja e cana-de-açúcar.
Ao optar por fontes renováveis, a AZLA contribui para a preservação de recursos e diminuição das emissões de carbono. Assim, a marca incorpora pelo menos 50% de resíduos da indústria plástica e de outros players calçadistas em sua mistura de PVC, escolha que, além de oferecer durabilidade e resistência, reduz significativamente o impacto ambiental. Para o desfile, Matheus e Lucas desenvolveram uma série de sandálias e botas tabi utilizando náilon de guarda-chuvas nos cabedais sobre solado plataforma em estilo Geta, a forma tradicional de calçado japonês e que lembra tamancos e chinelos, traduzidos pela Trama para o universo das ruas.
BOLSAS
As bolsas desfiladas são assinadas pela Revoada, híbrido de marca de produtos, negócio de impacto social e consultoria de design responsável conduzida pela designer Itiana Pasetti. Fiel à economia circular, ela cria itens para a Revoada utilizando resíduos, câmaras de pneu e tecidos de guarda-chuva descartados como principais matérias-primas, e também elabora linhas de produtos para empresas com essa mesma abordagem. Além de consultora industrial, especializada no tema, a designer também é tutora de projetos colaborativos realizados pela Trama. Para o desfile, ela criou uma série de maxi-bolsas em náilon de guarda-chuvas, que dão um toque divertido aos looks urbanos da coleção.
ÓCULOS DE SOL
Os óculos de sol são criados e desenvolvidos pela Sagui Óculos, marca do designer Felipe Madeira, especialista em pesquisas de ressignificação de materiais em desuso ou em situação de descarte. Em 2017, ele começou a desenvolver armações de óculos com tubos de pasta dental e sacolas plásticas, depois transformados em uma chapa, onde são feitos os moldes e os cortes a laser que dão forma às armações. Assim, cada par é único, já que a cor das armações depende do material: na reciclagem a textura e a cor dos tubos de pasta e das sacolinhas criavam padrões aleatórios. Agora, Felipe lança em primeira mão e em parceria com a Trama Afetiva, uma série especial de óculos de sol produzidos a partir da ressignificação de peças de acrílico em desuso ou descartadas, num resultado colorido e surpreendente.
JOIAS DE UPCYCLING
Os acessórios são criações da designer Pri Tiltscher, com a marca Justine Le Lapin. Lapin é lebre, em francês, e Justine é um nome derivado de Justice, ou justiça, também em francês. E Justine Le Lapin, a personagem mágica criada pela designer para traduzir seu universo criativo, não tem gênero definido, e sua cauda é como um feixe de luz. Ela representa a energia da esperança, da renovação e da boa sorte, ensinando a sentir a abundância das novas oportunidades, e também a essencial conexão com a natureza. Com essa perspectiva, a partir do uso das rodinhas plásticas de porta-alfinetes como base, Pri desenvolveu para a Trama Afetiva máxipingentes. Neles são encaixadas meias bolas de acrílico, onde serão montados jardins de flores e folhagens em miniatura. A série traz também máxicorrentes de alumínio coloridas e pingentes diversos, feitos do reuso da sobra de materiais e pingentes de coleções anteriores de Justine.
HEADPIECES
Zeca Gerace, multiartista e diretor de arte, é também parceiro da Trama neste desfile. Foi criador do Estúdio Xingu que, desde o início dos anos 2000, faz projetos para publicidade, moda e arte, marcados por uma estética neotropicalista, caótica e subversiva, em meio à cultura da noite paulistana. Zeca tem trabalhado para grandes marcas de moda, cultura pop e tecnologia, como Melissa, Samsung e O Boticário, além de realizar projetos artísticos, principalmente cenografias e performances urbanas, que misturam arte e vida noturna. Para a Trama, Zeca criou a série de headpieces “Aranhas”, reutilizando as hastes metálicas da estrutura dos guarda-chuvas. “Essa série inédita e experimental será realizada com impressora 3D usando PLA, um filamento termoplástico biodegradável de origem natural e de fontes renováveis, como amido de milho ou cana-de-açúcar”, explica Zeca.
OBJETOS DE CENA
Para emoldurar toda a potência de criação transformadora, a Trama Afetiva vai colocar na passarela da Brasil Eco Fashion Week, três modelos carregando objetos cênicos do ator, diretor e autor teatral, além de artista plástico, Nelson Baskerville. Com uma carreira premiada e trabalhos relevantes nas artes dramáticas no Brasil, nas artes plásticas Nelson também se destaca, tendo exposto trabalhos em Guimarães, em Portugal, e nas galerias de arte paulistanas PoP e Dicromatopsia. Hoje, é representado pelas galerias Smith, na Nova Zelândia, e Tribo, em São Paulo. Nelson criou a série de três objetos também batizada de Aranhas, construída a partir dos esqueletos dos guarda-chuvas entrelaçados. Unindo todos esses universos em seu desfile, a Trama mostra que, de fato, “mais é mais”, e que o agregar de diferentes ideias, saberes e perspectivas é a chave para a transformação.
Diferente dos eventos de moda em geral, o desfile da Trama Afetiva na BEFW será aberto ao público mediante a distribuição de ingressos pelo site da Sympla, e acontece no Centro de Convenções Frei Caneca.
No dia seguinte (08/12), as peças poderão ser adquiridas na Feira na Rosenbaum.
FICHA TÉCNICA
Direção criativa: Jackson Araujo
Direção de moda: Thais Losso
Styling: Marcio Banfi
Trilha sonora: Dan Maia
Assistente de moda: Nana Wharton
Beleza: Diego Américo
Parcerias:
Calçados: Matheus Yoshimura e Lucas Dörr/Azla
Bolsas: Itiana Pasetti/Revoada
Bijouterias: Pri Tiltscher/Justine Le Lapin
Estamparia: Anderson Rubbo/Silk na Goma
Óculos: Felipe Madeira/Sagui Óculos
Headpieces: Zeca Gerace/Estúdio Xingu
Objetos cênicos: Nelson Baskerville
Agradecimentos: Jorge Feitosa, Marianna Stockler, Leandro Matulja, Flavia Vanelli, Walter Rodrigues e Rafael Morais
da redação com informações da Agência Lema